quinta-feira, 11 de junho de 2009

A saudosa arte do encontro

De onde vem este medo que desenvolvemos de não encontrar o outro?

Lembra que antigamente não existia celular? Era um mundo estranho, onde as pessoas não se sentiam incompletas sem o aparelhinho por perto. Um mundo diferente, onde as pessoas se encontravam. Era assim, quem queria se ver marcava um encontro. Estipulava-se hora e local, tempo de tolerância, no caso dos mais organizados e, pronto. Não era necessário mais nada. Os encontros podiam acontecer em praças, na praia, no meio da rua, na frente do cinema. Os cinemas ficavam nas ruas. Tinham calçadas na frente.

Nestas antigamências – com licença para o neologismo -, as pessoas simplesmente acreditavam que, se o encontro estava marcado, certamente iriam se ver. Claro, que existiam os bolos, mas estes eram uma maneira muito objetiva de dizer: “Eu não te quero”. Agora, com estas empresas de telefonia doidas, ficamos sem saber se o sms chegou ou não, ou se aquele alguém não quer atender ou esqueceu o celular em casa. Mas na verdade, quem é que anda sem celular? Quem não voltou para buscá-lo quando percebeu que o esqueceu? Quem não checa as ligações perdidas quando a bateria acabou? Se o telefone tocou até cair na caixa e a pessoa nunca retornou, se o sms nunca teve resposta, a mensagem é a mesma: ele(a) não te quer. Quem não tem medo disso?

Se o sms nunca teve resposta, a mensagem é a mesma: ele(a) não te quer


E nos casos em que, finalmente, duas pessoas decidem que querem ou precisam estar juntas, engendram um processo de monitoramento até o tête-à-tête. É mais ou menos assim:

Pessoa 1: - Oi... (O identificador de chamadas já denuncia quem liga)
Pessoa 2: - Oi, tá se arrumando?
Pessoa 1: To, daqui a 5 minutos eu devo estar saindo. Eu aviso.
Pessoa 2: Ok, quando estiver chegando dá uma ligadinha.
Pessoa 1: Ta certo, quem chegar primeiro avisa ao outro.
Pessoa 2: Certo, beijo.
Pessoa 1: Beijo.

Dez minutos depois...

Pessoa 2: Olha, vou demorar um pouco, está engarrafado aqui. Quando eu chegar te ligo.
Pessoa 1: Ah, ta certo. Eu já estou chegando. Quando chegar, me avisa.
Pessoa 2: Pode deixar.

Quinze minutos depois...

Pessoa 1: Oi... Cadê tu que não chega?
Pessoa 2: Estou aqui.. Cadê você?
Pessoa 1: Estou aqui também, ué... Cadê você?
Pessoa 2: Ah, estou te vendo! Olha para trás! Mais pra direita, mais um pouco! Agoora! Ta me vendo?
Pessoa 1: Ahh.. Tá, vem. Beijo, Tchau.

De onde vem este medo que desenvolvemos de não encontrar o outro? Será o medo atávico da solidão? Ou será o vício da acessibilidade ininterrupta, do feedback imediato? Será por isso que desistimos tão facilmente das pessoas? Recolher informações sobre um indivíduo ficou tão simples que achamos que não é preciso saber mais nada, está tudo no flicrk ou orkut. E aí, possivelmente, perdemos a oportunidade de ver além da superfície.

Estes questionamentos inquietam a alma de quem os faz e os deixo para Zygmunt Bauman, que conhece mais da vida e é muito mais sabido do que eu. Mas uma coisa tenho observado: todos queremos encontrar alguém, mas – inseguros que somos – não temos coragem de nos dar.

Ana Quitéria é Cineasta, jornalista e colunista do JC online:
http://jc.uol.com.br/coluna/aleatoria/index.php
Texto utilizado com autorização da autora

2 comentários:

  1. Adoreiiii, arrasou!!!
    Comungo muito da sua idéia...
    Ps. Conheço essa produção.
    bjsss

    Anna Rakhael

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  2. Este é o preço que se paga por viver no mundo globalizado. São as consequências da tecnologia que nos faz perder um pouco o "glamour" dos encontros.
    Agora, Ericota, não posso deixar de comentar uma parte deste texto que me fez lembrar muito de você. "Quem não voltou para buscá-lo quando percebeu que o esqueceu?" Isso é a tua cara.
    "ô Galega, olha o celular"

    Bjo!
    Cau

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