domingo, 28 de março de 2010

Pensamentos que reúnem um tema


Adalgisa Nery

Estou pensando nos que possuem a paz de não pensar,
Na tranqüilidade dos que esqueceram a memória
E nos que fortaleceram o espírito com um motivo de odiar.
Estou pensando nos que vivem a vida
Na previsão do impossível
E nos que esperam o céu
Quando suas almas habitam exiladas o vale intransponível.
Estou pensando nos pintores que já realizaram para as multidões
E nos poetas que correm indefinidamente
Em busca da lucidez dos que possam atingir
A festa dos sentidos nas simples emoções.
Estou pensando num olhar profundo
Que me revelou uma doce e estranha presença,
Estou pensando no pensamento das pedras das estradas sem fim
Pela qual pés de todas as raças, com todas as dores e alegrias
Não sentiram o seu mistério impenetrável,
Meu pensamento está nos corpos apodrecidos durante as batalhas
Sem a companhia de um silêncio e de uma oração,
Nas crianças abandonadas e cegas para a alegria de brincar,
Nas mulheres que correm mundo
Distribuindo o sexo desligadas do pensamento de amor,
Nos homens cujo sentimento de adeus
Se repete em todos os segundos de suas existências,
Nos que a velhice fez brotar em seus sentidos
A impiedade do raciocínio ou a inutilidade dos gestos.
Estou pensando um pensamento constante e doloroso
E uma lágrima de fogo desce pela minha face:
De que nada sou para o que fui criada
E como um número ficarei
Até que minha vida passe.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Se eu fosse o mar

Por Hugo de Andrade


Quando estou quase desperto, fico mais próximo do mundo dos sonhos e parece que a imaginação corre solta, então incorporo idéias e viajo de modo a vivenciar um mundo paradisíaco. Hoje porém ambiciono mais, vivo mais e divido meu sonho:qual seja, a tal idéia de ser outro sujeito. Assim navego em mim mesmo...

Se eu fosse o mar, uma conjectura pouco tímida e fascinante na verdade, pois a possibilidade me trouxe tantas questões quantas foram as ondas que em uma breve olhada pude perceber em meu litoral.

Perguntei-me principalmente onde e em qual lugar existiria; em qual litoral aportaria e a quem acolheria em abraços próximos e salgados? Qual areia revolveria se eu fosse mar? Quantas idéias me inquietaram o espírito e me transportaram para longe de mim mesmo, de tal modo que em pouco tempo havia percorrido um mundo abissal, frio e misterioso das profundezas salgadas e me aquietado em sua superfície calma, brilhante, transparente e cheia de vida.

Voei sobre minha superfície, nadei em minhas águas mornas e frias e salgadas, e também mergulhei em mim mesmo ao lado de peixes e plantas marinhas...

Percorri com esperança a idéia de me conhecer, mas, doce ilusão até perceber quão profundo e desconhecido eu sou, ou melhor, somos, pois que plural nós somos.

Sei contudo que encontraria quem perdido estivesse em um barco qualquer e sei também que feliz eu-mar refletiria o sol, a lua e estrelas. Banhar-me-ia em água doce durante a tempestade e alimentaria peixes e planctons e mamíferos e rochas, pois que a vida é plena.

Se eu fosse o mar me reconheceria plural e singular, pois que ninguém existe por si só.